Herpes-zoster e o preço invisível do estresse corporativo
- João Falanga
- há 11 minutos
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Há algumas semanas, acordei com uma dor estranha. Não era uma dor muscular, nem algo que pudesse justificar com má postura ou esforço físico. Era uma queimação localizada, quase elétrica, que parecia correr por debaixo da pele. No segundo dia, vieram as bolhas. No terceiro, o diagnóstico: herpes-zoster — o famoso “cobreiro”.
Na hora, minha reação foi de incredulidade. Eu, uma pessoa saudável, com bons hábitos, alimentando-me bem e sem doenças prévias, com herpes-zoster? O médico foi direto: “Você tem passado por muito estresse?”
Silêncio.A resposta era óbvia.
O vírus que nunca foi embora
Pouca gente sabe, mas o vírus da herpes-zoster é o mesmo da catapora. Ele permanece adormecido nos gânglios nervosos, esperando uma oportunidade para acordar — e essa oportunidade geralmente vem quando o corpo está enfraquecido.Mas o que me chamou atenção foi o que o médico disse em seguida:
“Não é o corpo que falha. É o sistema que pede socorro.”
Essa frase me perseguiu por semanas.
O ciclo invisível do desgaste
Eu vinha de meses intensos no trabalho. Reuniões sem fim, metas agressivas, noites mal dormidas e a sensação constante de que, se eu relaxasse, algo desabaria.Nada fora do comum — é o que muitos diriam. E talvez esse seja justamente o problema.
No ambiente corporativo, normalizamos o estresse.Transformamos o esgotamento em status, o excesso em mérito e a falta de pausa em orgulho.
Mas o corpo cobra. Sempre.
O estresse não é só psicológico — é biológico
O estresse não é apenas “estar cansado” ou “sob pressão”. É uma reação química que se repete até o sistema colapsar. O cortisol — o famoso hormônio do estresse — é útil em emergências, mas quando se torna permanente, ele destrói.Ele ataca o sistema imunológico, afeta a regeneração celular e abre brechas para doenças que, de outro modo, ficariam inativas. Foi exatamente o que aconteceu comigo.
O vírus não “voltou” por azar. Ele voltou porque o corpo perdeu a capacidade de se defender.E o pior: eu mesmo tinha criado o terreno perfeito para ele florescer.

O mito da resiliência infinita
Vivemos uma era em que resiliência virou palavra mágica. As empresas pedem profissionais resilientes — mas raramente questionam o que isso significa na prática. Na maioria das vezes, é só um eufemismo para “aguente calado”.
Resiliência não é suportar o insuportável.É reconhecer limites, respeitar pausas, entender que produtividade e bem-estar não são inimigos.
Mas o sistema corporativo atual inverte essa lógica.Premia quem fica até mais tarde, quem responde e-mails no domingo, quem nunca diz “não”.E aos poucos, vamos nos convencendo de que estar exausto é sinal de comprometimento.Até que o corpo — em um ato quase poético — nos obriga a parar.
Quando o corpo grita, é tarde demais
Herpes-zoster não é apenas uma doença de pele. É um aviso do sistema nervoso.Cada bolha, cada fisgada, é um lembrete de que o corpo tem limites que o ego ignora.
Enquanto eu tentava esconder as dores e continuar produtivo, percebi algo cruel: o medo de ser visto como “fraco” era maior do que o desconforto físico.Essa é a verdadeira armadilha da cultura corporativa: ela transforma sofrimento em fraqueza e descanso em culpa.
O preço real do sucesso
Depois de alguns dias afastado, comecei a refletir.O que chamamos de “sucesso profissional” tem custado caro demais.Quantas vezes ignoramos sinais do corpo — dor de cabeça, insônia, palpitações — porque “não dá tempo” de parar?Quantas histórias parecidas estão escondidas por trás de metas batidas e relatórios impecáveis?
A conta chega, mais cedo ou mais tarde.Para uns, vem em forma de ansiedade. Para outros, burnout. No meu caso, veio com feridas e uma dor que me lembrava, a cada movimento, que algo estava errado.
O que aprendi (e que ninguém me ensinou no trabalho)
Descansar é produtivo.Pausa não é luxo, é ferramenta de performance. O cérebro precisa de recuperação tanto quanto um músculo.
Dizer “não” é ato de inteligência.Aceitar tudo, o tempo todo, não é prova de competência — é caminho certo para o colapso.
O corpo fala antes de gritar.O problema é que a gente aprendeu a não ouvir.
Cultura de alta performance sem autocuidado é autodestrutiva.Nenhum bônus ou promoção compensa o custo de perder a saúde.

Precisamos repensar o que chamamos de “normal”
Se um ambiente de trabalho causa adoecimento físico e mental, ele não é saudável — por mais resultados que entregue.Precisamos parar de romantizar o estresse, o cansaço, a insônia, e começar a tratar tudo isso como o que realmente é: sintoma de desequilíbrio sistêmico.
Enquanto o corpo pede descanso, o mercado pede entrega.Enquanto o médico fala em pausa, o gestor fala em prazo.E nós, no meio, seguimos tentando equilibrar um jogo que ninguém ganha.
Conclusão: o vírus acordou, mas eu também
O herpes-zoster foi meu alerta biológico.O vírus me acordou, mas o que realmente despertou foi minha consciência sobre o que eu vinha permitindo.Hoje, entendo que o corpo não é inimigo do trabalho — ele é o único instrumento que temos para realizá-lo.Ignorá-lo é o mesmo que destruir, pouco a pouco, a base da própria carreira.
Se o estresse é o novo status, precisamos redefinir o que é sucesso.
E se o corpo precisa adoecer para ser ouvido, talvez o problema não esteja em nós — mas no sistema que insiste em nos calar.





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