É possível encontrar serenidade diante de nossos próprios imperfeições? A Caixa de Pandora emerge como uma relíquia extraordinária entranhada na mitologia grega. Ela se configura como uma receptáculo divino no qual as desventuras do mundo foram depositadas pelos deuses, incluindo a guerra, a discórdia, as aflições do corpo e da alma. Todavia, em seu seio, repousava um único presente: a esperança.
Desde a sua gênese, esse mito carrega consigo uma conotação social. Nesse contexto, a Arca de Pandora transmuda-se para simbolizar a malevolência que dela pode advir, a desobediência e a curiosidade que prejudicam o ser humano.
Considere os programas matutinos de variedades, nos quais repórteres abordam transeuntes com a indagação: "Qual é o seu maior defeito?". Sem hesitação, as respostas fluem: "Ah, eu digo o que penso!", "Sou excessivamente sincero", "Sou ávido por comida", "Sou vaidoso", e outras na mesma linha. Não recordo de alguém admitir: "Eu sou vingativo!", "Eu sou preguiçoso!", "Sinto inveja profunda de meus amigos e colegas de trabalho!", "Eu sou mesquinho!" ou "Sou compulsivo em relação ao sexo".
Expressar tais generalidades é socialmente aceito como algo ordinário. Há até risadas quando essas confissões são feitas, pois são percebidas como divertidas. No entanto, poucos verdadeiramente compreendem o real significado de ser 'transparente', 'sincero', 'ávido por comida' ou 'vaidoso'.
Entenda: admitir o desejo de ver um colega que está prestes a embarcar em uma viagem internacional, enquanto você nunca saiu do seu país, cair da Torre Eiffel "não pega bem". Da mesma forma, assumir posturas racistas, demonstrando relutância em manter relacionamentos íntimos com pessoas de pele escura (no máximo, aceitando-as como babás, seguranças ou motoristas), exibir ambição desmedida passando por cima de outros como um rolo compressor, revelar preguiça ao lavar a louça apenas uma vez por semana, ou ainda, ser desleixado ao ponto de trocar de roupas íntimas a cada dois dias durante o banho, são atitudes que não 'pegam bem'.
A maioria carrega consigo falhas e virtudes, como parte inerente da condição humana. Compreender, admitir e equilibrar esses aspectos se mostra crucial para preservar a saúde mental, embora essa seja uma tarefa árdua. Em alguns casos, até mesmo duas décadas de terapia não proporcionam alívio a tal empreendimento.
Há também aqueles que dissimulam suas imperfeições sociais através de aquisições extravagantes, como um SUV financiado em 500 prestações, embora faltem recursos para cobrir o seguro. Submetem-se ao papel de ostentar uma moto diante do prestigiado condomínio, criando narrativas em plataformas digitais para simular uma vida que não condiz com a realidade.
Possuir uma mansão com um lustre majestoso na janela, enquanto se dorme em um colchão no chão do quarto ou se apoia a TV em caixotes de feira, ilustra um foco mais centrado no 'Ter' do que no 'Ser'.
Poucos realmente encaram o espelho e enxergam além dos encantadores olhos verdes e dos longos cabelos loiros. As imperfeições não se assemelham a uma espinha que, devidamente tratada, não deixa marcas.
Defeitos permeiam nossa essência, muitas vezes conduzindo-nos a infligir injustiças, sabotar relacionamentos e desconsiderar as possíveis reações alheias. Em alguns casos, as feridas resultantes despertam uma reação do ferido, enquanto outros optam pelo silêncio, sofrendo anos a fio com amargura e dor.
Muito bom