Esqueça a Calma: O Show da Defesa do Consumidor na TV e Online – Útil ou Puro Espetáculo?
- João Falanga
- 23 de abr.
- 11 min de leitura

Olá, pessoal! A gente vai mergulhar num universo que você, eu, todo mundo já esbarrou: o dos programas, reportagens e vídeos de YouTube onde "defensores do consumidor" vão tirar satisfação com empresas. Sabe, aqueles em que a câmera chega junto, o microfone é apontado para o gerente (muitas vezes despreparado) e a promessa é resolver tudo ali, na base da pressão e da exposição?
Pois é.
Estamos falando de figuras como o Celso Russomanno, o Ben Mendes e tantos outros que, na TV aberta ou nas plataformas digitais, encarnam uma espécie de cruzado contra o mau atendimento, o produto estragado, o serviço não entregue. A pergunta que não quer calar – e que muita gente me faz – é direta: Isso realmente ajuda a resolver o problema do consumidor ou não passa de um show bem montado para prender a atenção?
A Tela Ferve: O Fenômeno dos Defensores Midiáticos
Quem nunca parou para assistir a um vídeo no YouTube de alguém confrontando uma loja que vendeu um produto com defeito? Ou sintonizou na TV e deu de cara com uma reportagem onde um consumidor lesado, acompanhado de um "especialista", exige seus direitos na frente das câmeras? Esse formato pegou. Pegou muito! E não é à toa. No meio de tanta burocracia, de tanto "ligue 0800" que não resolve nada, de protocolos e mais protocolos, a ideia de alguém indo até lá e exigindo uma solução parece um bálsamo. Parece que, finalmente, alguém está lutando por você.
Quem São Eles e Onde Atuam? Rostos Conhecidos na Luta (ou no Ringue?)
Temos nomes que se tornaram sinônimos dessa abordagem. Celso Russomanno, com seu bordão "Patrulha do Consumidor", na TV Record talvez seja o mais icônico na televisão. Ele vai, conversa com o consumidor, entende o caso (pelo menos a versão dele), e então parte para o confronto direto com a empresa. No universo digital, Ben Mendes ganhou muita projeção com o "Canal Ben Mendes", um canal no YouTube que segue uma linha parecida, muitas vezes com um tom ainda mais incisivo e, por vezes, performático. Mas não são só eles. Diversos outros canais e quadros em programas de TV replicam essa fórmula. O palco pode ser uma pequena loja de eletrodomésticos, uma oficina mecânica, uma lanchonete... o importante é o confronto, a câmera ligada e a promessa de um final feliz (ou de um barraco bem filmado).
Do Beco da Loja ao YouTube: A Evolução do Confronto com Câmeras
Esse formato não nasceu ontem. Ele evoluiu. Começou mais "jornalístico" (aspas aqui são importantes), como uma reportagem investigativa pontual sobre um golpe ou um mau fornecedor. Foi ganhando espaço, virou quadro fixo e, com a internet, explodiu em popularidade e formatos mais "brutos" e diretos. A dinâmica é quase sempre a mesma: apresenta-se o drama do consumidor, mostra-se a falha da empresa, e então vem o "herói" (ou "xerife") midiático para a confrontação. É um arco narrativo que funciona bem para a TV e para o engajamento online: problema - herói - confronto - (suposta) solução.
Por Que Amamos (e Odiamos) Assistir? A Sedução do Embate Contra o Mau Fornecedor
Confesso, até eu, já parei para assistir a alguns desses quadros ( e o leitor que disser nos comentários que nunca assistiu um programa destes, está mentindo). Tem um quê de satisfação catártica em ver alguém que se sente impotente diante de uma empresa sendo "defendido" de forma tão incisiva. A gente projeta nossas próprias frustrações de consumidor em cada história. E, sejamos francos, a nossa vida como consumidor no Brasil não é fácil. É um eterno cabo de guerra por direitos básicos.
A Promessa Sedutora de Resolução Rápida e Sem Burocracia
O grande apelo desses programas é a aparente agilidade. Diferente de entrar com uma ação no Juizado Especial Cível, que pode levar meses, ou mesmo ir ao PROCON, que tem seus prazos e procedimentos, o confronto televisivo/online dá a impressão de que "agora vai". A câmera está ali, a reputação da empresa está em jogo (pelo menos daquele estabelecimento, naquele momento), então, a chance de um acordo rápido parece alta. E, em muitos casos simples, funciona mesmo. Um produto para trocar? Um dinheiro para devolver? Empresas pequenas, sem um jurídico robusto, muitas vezes cedem à pressão da exposição.
O Gosto Pela Vingança Televisiva: Ver o "Poderoso" Encurralado
Tem também o fator "vingança". O consumidor se sente lesado, desrespeitado, enganado. Vê aquele representante da empresa gaguejando, sem saber o que responder diante das câmeras, é, para muitos, uma espécie de justiça poética. É a inversão do jogo de poder: o consumidor, antes fragilizado, agora tem o apoio midiático para colocar o fornecedor contra a parede. É o oprimido (temporariamente) triunfando sobre o opressor (daquela situação específica). É um espetáculo, no sentido mais literal da palavra.
Desvendando a Utilidade Real: Quando a Câmera Realmente Ajuda?
Agora, vamos tirar o óculos da emoção e colocar o da análise crítica. Esses programas realmente resolvem problemas? Sim, alguns problemas, em alguns casos, sob certas condições. Mas a palavra-chave aqui é pontual.
Casos Simples vs. Casos Complexos: Uma Análise Fria dos Resultados
Pense bem: a maioria dos casos exibidos são relativamente simples. Um produto que quebrou, uma entrega que não chegou, um serviço mal feito de baixo valor. Coisas que, convenhamos, deveriam ser resolvidas no bom e velho Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) – se ele funcionasse direito, claro. Para esses casos, a pressão da mídia pode acelerar uma solução que a empresa estava protelando. O gerente vê a câmera e pensa: "É mais barato resolver isso logo do que ter a imagem da minha loja associada a problema na TV ou viralizando na internet". Mas e quando a questão é mais complexa? Um contrato de longo prazo, um serviço contínuo com falhas, um dano moral significativo, uma questão envolvendo interpretação de cláusulas legais? Aí, meu amigo, a coisa muda de figura. Um bate-boca na frente das câmeras não tem o poder de reescrever um contrato ou de determinar o valor de uma indenização.
A Força da Mídia como Alavanca Pontual: A Pressão da Exposição Pública
Não dá para negar que a exposição pública é uma ferramenta poderosa. Para pequenos empresários ou filiais de grandes redes, ter seu nome ligado a uma denúncia em rede nacional ou em um canal popular pode ser um pesadelo de relações públicas. Essa é a única força real que esses programas exercem: a pressão reputacional. Eles não têm poder legal de multar, de obrigar, de julgar. O que eles têm é o microfone e a câmera, apontados para criar constrangimento.
O Que Acontece Depois que as Câmeras Desligam? A Realidade Por Trás dos Cortes
E o que não vemos? O que acontece depois que a equipe vai embora e o programa é editado? Muitas vezes, o "acordo" feito sob pressão se desfaz, a empresa volta atrás, ou a solução apresentada era apenas paliativa. O consumidor, depois do pico de adrenalina e exposição, pode se ver de volta à estaca zero, tendo que, aí sim, procurar os meios legais formais. A edição final do programa nem sempre reflete a complexidade ou o desfecho real do caso a longo prazo. O que importa para o show é o momento do confronto e a aparência de resolução.
O Elefante na Sala: A Roteirização e o Inevitável Sensacionalismo
E aqui tocamos num ponto delicado, mas crucial: o sensacionalismo. Não podemos ser ingênuos. Televisão e plataformas de vídeo vivem de audiência e visualizações. E o que gera audiência? Drama. Conflito. Emoção. Esses programas são, antes de tudo, produtos de entretenimento. Eles precisam ser dinâmicos, ter picos de tensão, vilões claros (a empresa) e heróis (o apresentador e o consumidor).
Roteiro ou Realidade? A Edição em Jogo para Criar o Drama Perfeito
Por mais que digam que é "real", a mão da edição é pesada. Cortes, trilha sonora, closes dramáticos, repetição de frases de efeito... tudo é pensado para construir uma narrativa envolvente. Momentos de negociação calma, explicações complexas sobre direito do consumidor, a dificuldade de provar um ponto – isso geralmente fica de fora. O que vai para o ar é o embate, a indignação, a resposta atravessada, a porta batida na cara da equipe. Isso não é jornalismo investigativo no sentido clássico; é entretenimento baseado em situações reais de consumo.
O Foco Exagerado no Drama Pessoal e na Reação Emocional
A ênfase está sempre na emoção do consumidor, na sua indignação (justa, muitas vezes), na sua frustração. Isso humaniza a história, cria empatia na audiência. Mas, ao mesmo tempo, desvia o foco do cerne legal da questão. O problema deixa de ser uma violação a um artigo do Código de Defesa do Consumidor e passa a ser "a Dona Maria que foi enganada e está chorando porque a geladeira nova não funciona". É uma abordagem que cativa, mas simplifica demais uma área do direito que, sim, é complexa.
A Trilha Sonora de Tensão e o Close no Rosto Irritado: Técnicas de TV
Repare nos elementos técnicos. A música muda quando o apresentador entra na loja? Tem um close na cara do gerente que parece desconfortável? A fala mais ríspida do "defensor" é repetida em câmera lenta? Tudo isso são recursos de linguagem televisiva (e agora, da linguagem universal dos vídeos online) para construir a tensão e manter o espectador vidrado. É a "espetacularização" do conflito de consumo.
A Pergunta Que Não Quer Calar: Por Que os Gigantes São Raramente Confrontados?
E chegamos ao ponto mais nevrálgico da nossa discussão, o elefante que fica confortavelmente sentado na sala enquanto a câmera persegue a formiguinha: por que esses programas raramente, ou nunca, vão bater de frente com os grandes bancos, as operadoras de celular, as gigantes do varejo online? Você já viu o Celso Russomanno entrando na agência de um Itaú da vida para reclamar de uma tarifa indevida? Ou o Ben Mendes acampando na porta da Vivo porque a sua internet caiu de novo? Difícil, né? E não é porque os consumidores não têm problemas com eles. Pelo contrário! As reclamações contra bancos e teles lideram os rankings do PROCON ano após ano.
Bancos, Operadoras e Outros Leões Intocáveis? Desvendando o Mistério
Existem várias camadas de resposta para essa pergunta, e nenhuma delas é um segredo bombástico, mas sim uma combinação de fatores que se retroalimentam.
A Complexidade Jurídica e Regulatória: Um Mar Denso Para Navegar?
Problemas com bancos envolvem contratos complexos, regulamentação do Banco Central do Brasil (BACEN), súmulas do STJ. Questões com telefonia caem sob a alçada da Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações, têm resoluções específicas, e muitas vezes exigem perícia técnica. Essas não são questões que se resolvem com um diálogo rápido e uma câmera. Exigem conhecimento aprofundado, análise documental, e muitas vezes, anos na justiça. O formato de "confronto rápido" simplesmente não se encaixa na complexidade inerente a esses setores. O que você faria? Iria na agência e exigiria que o gerente cancelasse uma dívida fraudulenta baseada numa lei de 1964? Não funciona assim.
O Poder do Dinheiro, do Lobby e dos Departamentos Jurídicos Estruturados
E aí vem o fator poder. Bancos e grandes operadoras têm exércitos de advogados. Processá-los é caro, demorado e exige fôlego. E no mundo da mídia, sejamos francos: quem mais anuncia na TV e nos grandes portais? Exatamente, os bancos e as operadoras. Há um conflito de interesses latente. É difícil morder a mão que te alimenta, não é mesmo? Não estou dizendo que há uma censura direta ("Não fale do Banco X!"), mas há, sim, um filtro natural. A pauta que envolve grandes anunciantes tende a ser tratada com mais "cuidado", com mais "equilibrio" (entre aspas de novo), ou simplesmente evitada em formatos de confronto direto que podem gerar atritos. A chance de um processo milionário por calúnia ou difamação é real e é um inibidor poderoso para a pauta.
O Risco de Processos Bilionários e a Pauta Midiática Cautelosa
Pense no risco. Confrontar um pequeno comerciante que vendeu um produto estragado? O risco é baixo. Confrontar um banco ou uma operadora por uma prática abusiva sistêmica? O risco de levar um processo nas costas é altíssimo, e eles têm recursos infinitos para bancar essa briga judicial. A cautela editorial, nesses casos, fala mais alto. É mais "seguro" e, ironicamente, mais "televisivo" focar no drama individual do consumidor contra a lojinha, que gera indignação, mas não gera dor de cabeça judicial para a emissora ou para o canal.
Lidando com Questões Sistêmicas vs. Problemas Pontuais do "João da Esquina"
Há também uma diferença fundamental no tipo de problema. Muitos problemas com bancos e teles não são pontuais ("Meu celular quebrou e a loja não trocou"), mas sistêmicos ("Minha conta está cheia de tarifas que eu não pedi", "Minha internet cai todo dia no mesmo horário", "Fui cobrado por um serviço que não contratei"). Lidar com questões sistêmicas exige investigar a fundo a prática da empresa, não apenas resolver um caso individual. E isso é um trabalho jornalístico e jurídico muito mais complexo do que o formato "cheguei, confrontei, resolvi (aparentemente)".
Onde o Consumidor Realmente Encontra Ajuda (Sem Holofotes)
Diante desse cenário, fica a pergunta crucial para você, consumidor: onde buscar ajuda efetiva e com amparo legal? Esqueça a ideia de que um programa de TV vai resolver todos os seus problemas ou que é o único caminho. Existem instituições e mecanismos criados justamente para proteger você. E eles, sim, têm poder legal.
O Papel Vital e Muitas Vezes Subestimado do PROCON
O PROCON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) é a porta de entrada para a maioria das reclamações. É um órgão administrativo, ligado ao governo (estadual ou municipal), que tenta mediar o conflito entre você e a empresa. Você registra a reclamação, o PROCON notifica a empresa, marca uma audiência de conciliação. Se a empresa não comparecer ou não houver acordo, o PROCON pode – e deve! – multar a empresa. E as multas podem ser bem salgadas, dependendo do porte da empresa e da gravidade da infração. O PROCON é ágil (mais que a justiça comum) e não tem custo para o consumidor. É o primeiro passo inteligente.
Juizados Especiais Cíveis: Justiça Acessível e Descomplicada (em Tese)
Se o PROCON não resolver, ou se o seu caso envolver danos morais ou materiais que exigem uma decisão judicial, o caminho são os Juizados Especiais Cíveis (JEC), os antigos "pequenas causas". Para causas de até 20 salários mínimos, você não precisa de advogado (embora seja altamente recomendável ter um, mesmo que da Defensoria Pública, para causas acima de 5 salários mínimos). O JEC é projetado para ser mais rápido e informal que a justiça comum. É o lugar para buscar indenizações, rescisão de contratos com devolução de valores, etc. E sim, você pode (e deve) processar bancos e operadoras no JEC se for o caso.
Associações de Consumidores e Advogados Especializados: A Força Coletiva
Existem excelentes associações de defesa do consumidor (como Idec) que oferecem orientação legal e podem, inclusive, entrar com ações coletivas contra práticas abusivas de grandes empresas. E, claro, há advogados especializados em direito do consumidor que podem te representar no PROCON ou na justiça, especialmente em casos mais complexos ou de valores mais altos. Essa é a via técnica e legal para garantir seus direitos.
ANATEL, BACEN e Outros Órgãos Reguladores: Quando Recorrer a Eles?
Para problemas específicos com serviços regulados, como telefonia (ANATEL), planos de saúde (ANS) ou bancos (BACEN/Consumidor.gov.br), há canais de reclamação próprios desses órgãos. Muitas vezes, registrar a reclamação diretamente no site da ANATEL ou do BACEN (via Consumidor.gov.br) pode ser um passo importante e gerar pressão adicional sobre a empresa, além de criar um histórico que pode ser usado em outras instâncias.
Conclusão: Luzes, Câmera, Ação... e o Seu Direito no Meio Disso Tudo?
Chegamos ao fim da nossa análise, e a resposta para a pergunta inicial ("Útil ou Sensacionalismo?") não é um simples "sim" ou "não". É mais um "depende, e tome cuidado". Esses programas têm sim um papel na conscientização sobre os problemas de consumo e na pressão pontual sobre pequenos fornecedores ou filiais. Eles mostram que o consumidor não está sozinho e que é possível, sim, questionar. Mas daí a serem a solução para todos os seus problemas, ou a via mais eficaz, segura e justa?
Há um abismo.
O que vemos na tela é, em grande parte, um espetáculo. Um show bem produzido que usa a indignação e a busca por justiça do consumidor como matéria-prima para gerar audiência e engajamento. E, por motivos que misturam complexidade legal, poder econômico e cautela midiática, esse show raramente desafia os verdadeiros Golias do mercado, aqueles que afetam a vida de milhões de pessoas com suas práticas sistêmicas.Portanto, como jornalista e alguém que valoriza o direito do consumidor: assista se quiser se entreter, se sentir momentaneamente representado, se conscientizar sobre alguns problemas.
Mas, na hora que o problema bater na sua porta, e você quiser uma solução real e com amparo legal, procure os caminhos formais: PROCON, Juizado Especial Cível, associações de consumidores, advogados especializados. Esses, sim, são as ferramentas que temos para garantir que o Código de Defesa do Consumidor não seja apenas um livro bonito na estante, mas uma realidade na sua vida. Seu direito merece mais do que 15 minutos de fama na TV. Ele merece respeito e efetividade.
Celso Russomano é chato para um c#$@##!:?!";